Traduzido por Patricia Paiva
Nós não encontramos Chan sem a pré-condição de sofrimento. Várias pessoas pensam que isto é uma visão pessimista ou pervertida da prática (da meditação) que pode ser feita por qualquer um, e que o sofrimento não é um pré-requisito.
Para eles, eu digo que sentar-se quietos, usando os métodos da meditação Zen pode sim beneficiar as vidas das pessoas de uma forma marcante, mas não são somente estes métodos que levarão ao Chan.
O que é o Chan, então, se tem que sofrer para achá-lo? Se não estivermos em extremo estado de sofrimento, Chan não é algo que precisamos. A sociedade ocidental acha que Zen é algo “legal para se fazer”, nós somos encorajados a acreditar que se nós formos para um local de meditação e cruzarmos nossas pernas por uma ou duas horas e contarmos nossa respiração, nós estaremos “ficando Zen”.
Há uma tendência de projetar a imagem de Zen para uma “coisa real”, não sabendo o que a “coisa real” seja.
Não é algo ruim, é na verdade algo natural para nós. Se um amigo nos convida para irmos a um show do Iron Maiden , e nunca tivermos ido a um concerto de Heavy Metal antes, e nunca tivermos ouvido aquele tipo de música, criaremos uma idéia própria do que seria esta experiência baseado no nosso limitado conhecimento de heavy metal.
Se formos totalmente “novatos”, nós podemos imaginar um grupo de pessoas tocando música em eixos de transmissão ou em engrenagens dentadas. Mas qualquer coisa que imaginarmos, será completamente diferente da experiência real do evento.
Por que Zen requer sofrimento para ganharmos seu domínio? Pelo simples fato de requer “jogar fora” nosso velho “eu”: abandonar tudo com o que nós nos identificamos- nossa imagem, nossa profissão, nossos amigos e nossa família.
Todos têm que ir. E somente estaremos preparados e habilitados para isto quando experimentarmos o sofrimento de um ponto que não dermos importância para estas coisas.
Não há um comando arbitrário para o Desejo fazê-lo- o Desejo só pode ser comandado por meio do desejo do “Eu” ser conhecido e neste momento quando morremos, o “Eu” (Buda, Verdadeira Natureza , Deus...) como quiser chamar brilha com enorme claridade e então entramos no domínio de Zen.
É quando nos transformamos e somos guiados não pelas nossas paixões egoístas ou desejos, mas pela claridade do Ser, o Dharma.
Quando falamos que há a necessidade do sofrimento para o Zen, algumas pessoas me perguntam se eu acho que todos devem sofrer. Eu sempre respondo que eu desejo que ninguém sofra, mas o sofrimento está ao nosso redor.
Se não sofremos é porque nossos olhos estão fechados, nossos ouvidos surdos e nossa mente fechada. Por dentro estamos sofrendo, mas nós escolhemos não olhar para isto.
Todos têm elementos obscuros na psique. Elas nascem de forma natural durante experiências na infância, ao presenciar o lado escuro de outras pessoas nos primeiros anos, podem ser eles nossos pais, nossos professores, amigos ou parentes.
Quando somos jovens, nossos cérebros não processam bem os vários tipos de emoções “obscuras” que são projetadas sobre nós e estes elementos emocionais são parte daquilo que molda a noção de quem somos: nossas identidades pessoais.
Se olharmos para nossa psique, nós todos sofremos enquanto desenrolamos nossos medos reprimidos, pavor e ansiedade que estão guardadas lá.
Mas nós temos que querer fazer esta prática... ninguém pode nos forçar a entrar neste caminho por nenhum método.
Durante longos sesshins onde a meditação (zazen) é feita de 8 a 10 horas por dia (ou mais), não é raro que alguns participantes sofram de colapso mental.
Eu tenho visto muitas pessoas que passaram por isto e eu conheço muitas “vitimas” que foram internadas na psiquiatria de hospitais várias vezes e sobreviveram para contar.
Entre muitos grupos Zen é comum enfatizar que todos os participantes “têm que fazer a prática” por longos períodos para terem grandes chances de alcançar a “claridade”.
A ideia é que qualquer um que entra em sesshin (um retiro para meditação de vários dias) esta preparado para isto fisicamente e emocionalmente. Mas quando as pessoas são levadas a fazer uma prática intensa sem estar bem preparado e pronto, todo o inferno fica aberto.
Zen não é algo que fazemos porque “é legal” ou porque um amigo nos convida e pergunta se queremos participar de um sesshin. Isto é algo que fazemos, pois nós estamos desesperados, nós estamos sofrendo e estamos prontos para “desistir de tudo”.
Se não estivermos assim ainda, não estamos prontos para Zen.
Ao falar isto, eu sou um firme defensor dos rudimentos do treinamento Zen para todos aqueles, todas as pessoas que querem aprender. Eles têm que se tornarem conscientes disto para saber que esta sabedoria está lá para elas quando precisarem.
Do mesmo jeito que aprendemos matemática quando estamos no ensino médio para usá-lo um dia, aprender sobre Zen também nos prepara para o futuro se precisarmos. Enquanto não precisarmos disto, ou se quando nós precisarmos, nós descobriremos que somos “sortudos” em já ter estudado sobre isto.
E ficaremos devendo nossas vidas para isto.